Resenha: ‘As Rosas e a Revolução’ une ficção e realidade

No universo literário, a ficção tem espaço privilegiado em minhas escolhas, mas o retrato do mundo real me é igualmente encantador. No livro As Rosas e a Revolução, lançado em 2014, esses dois universos se encontram na habilidosa narrativa de Karina Dias, escritora de literatura lésbica.

A história tem como cenário o movimento estudantil durante a ditadura militar no Brasil, iniciado em 1968, e relata a vida amorosa de Vilma, de 17 anos, em meio a essa época intensa e cheia de transformações. Na obra, acompanhamos também as descobertas e evolução da personagem no campo social e político.

Filha de um militar, a jovem vive enclausurada dentro de casa com uma governanta a seu dispor. Isso nada mais é do que uma forma que o pai encontrou de “protegê-la” contra os “rebeldes comunistas” que queriam acabar com o País. Essa, porém, é a versão que ele conta, mas que a amiga da jovem, Maristella, não reconhece.

Tella, ao contrário de Vilma, tem a liberdade como companheira e vive pelas ruas do Rio de Janeiro envolvida em manifestações e relacionamentos amorosos. Um dia, ela convence Vil a sair escondida durante a noite para um encontro de jovens no Calabouço, famoso restaurante estudantil, palco de protestos contra o regime militar.

Resenha do livro 'As Rosas e a Revolução', de Karina Dias
‘As Rosas e a Revolução’ fala de amor em meio aos caos da ditadura militar no Brasil. Foto: Ludimila Honorato

É nesse lugar que o entendimento de Vilma sobre os acontecimentos ao seu redor muda. Ela presencia a invasão de militares no restaurante — homens iguais ao pai dela — e a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto — um jovem igual a ela. O caos se instala. Correria, tiros, gritos, sangue. Vilma se vê salva, inesperadamente, por Alda, uma militante que luta fervorosamente contra a ditadura e por quem depois se apaixona.

“Fui levada pela multidão que se armava e enfrentava os homens de capacetes azuis. Parecia uma guerra. Jovens enfileirados na linha de frente de uma batalha e, então, ouvi o som mais aterrorizante de toda a minha vida. Me senti como uma espectadora, tamanho o absurdo da cena, e não, não eram os gritos, e sim o barulho que veio das armas de fogo. Armas iguais às que eu via meu pai limpar como quem limpa um troféu. Aquele disparo havia cortado a carne de alguém.”

É a partir dessa experiência que a jovem, filha do papai arrogante, dá lugar a uma adolescente que nutre empatia e sede de justiça pelos estudantes em movimento. Ela se revolta contra o governo e contra o pai, se aventura, se fere, é feliz, chora, odeia e descobre o significado do amor quando vai morar com parentes nunca antes vistos e vive intensas relações em diferentes momentos.

“Suadas e esgotadas, abraçadas, nos deitamos no sofá. Hanna apoiou a cabeça em meu ombro enquanto nos acariciávamos mutuamente. Ambas perdidas em seus pensamentos, degustando as sensações incríveis que tomavam nossa pele e perpetuavam nosso coração. Adormecemos lentamente, cada uma a seu modo, relutando contra o sono, na esperança de prolongar aquele momento.”

O fato de a história não ser totalmente ficcional é instigante nesse livro. Ao ler, eu ficava me perguntando o que ali teria sido fato histórico e o que não teria sido. Em alguns momentos, tive de pesquisar na internet para conferir, a exemplo da existência do Calabouço e a morte do estudante, que eu desconhecia. Karina insere os personagens fictícios em fatos como a Passeata dos Cem Mil, a repressão aos estudantes no Congresso da UNE em Ibiúna e no discurso de personagens reais, uma intersecção empolgante.

Rosas vermelhas e uma revolução que derramou sangue. Mais do que uma história que traz amor e emociona, As Rosas e a Revolução conta a História, a nossa história. Fala de um período que deixou marcas profundas em nosso País. É, sem dúvida, uma leitura que ensina e desperta. Para conhecer outras obras de Karina Dias, clique aqui.