Eu resolvi entrevistar jovens surdos (sem saber Libras)

Sem saber praticamente nada da língua de sinais, eu quis conversar com jovens surdos para saber como é para eles se relacionar numa sociedade predominantemente ouvinte.

Embora soubesse uma ou outra coisa da Língua de Sinais, fiquei mega nervosa na hora H e tive de apelar para bilhetes. As pessoas que abordei foram receptivas e pacientes com minha incapacidade. Fiquei pensando se os ouvintes são assim com eles.

Cerca de 5% da população brasileira tem deficiência auditiva, segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São cerca de 9,7 milhões de pessoas e aproximadamente 1 milhão são crianças e jovens até 19 anos.

Fiz aulas de Libras na faculdade com a professora Leliane Rocha e aprendi o que me ajudou minimamente a fazer esse primeiro contato: o alfabeto manual — para dizer meu nome — e, entre outras coisas que acabei esquecendo, a falar “oi” e “eu te amo”, mas isso era nada diante do que eu queria.

Como se diz no jornalismo, coloquei o pé na rua para descobrir se eles se “isolam” em locais e com pessoas na mesma condição ou se é possível falar de integração. Enfrentar a dificuldade de me comunicar com eles era parte da compreensão necessária para isso.

Para não fazer tão feio, passei três dias vendo vídeos no Youtube, captando o gestual de vocabulário básico, saudações, verbos e profissões. Perguntas como: “oi, tudo bem?” e “sou ouvinte, posso conversar com você?” eram o que eu precisava para iniciar o contato, me identificar e dizer o que queria.

Fui a um shopping da zona leste de São Paulo, onde já tinha visto pessoas surdas conversando, em busca da primeira pessoa com quem falaria.

Depois de uns 30 minutos, avistei duas garotas conversando em Libras. Fiquei feliz, mas no segundo seguinte, entrei em pânico de novo. Os vídeos e o treino ficaram embaralhados na minha cabeça.

Foto: Isa Lima / Unb Agência
Foto: Isa Lima / Unb Agência

Pelos gestos, entendi que elas iam pedir o lanche para viagem. Esperei e observei. Ao chegar a vez delas, fizeram sinal de que não ouviam e o atendente, que me pareceu sem reação diante da informação, foi buscar um cardápio.

Pedido feito, outra fila para pegar o lanche. Uma delas ficou de fora e vi ali minha única chance. Com ou sem coragem, fui.

Toquei no ombro e a menina sinalizou que não ouvia. Pedi calma e, na língua de sinais, expliquei que sou ouvinte, que não falo Libras, mas que queria conversar. Simpática, ela concordou. Falei meu nome, disse que era repórter e que queria entender o universo dela, dos surdos. Ela concordou. Travei.

Recorri ao bloquinho e escrevi que era minha primeira conversa com uma pessoa surda e mostrei minha mão trêmula. Ela riu e fez que tudo bem. Eu ri também, com receio do que tudo aquilo parecia para ela.

Quem sabe normal? Ela demonstrou estar à vontade, só esperando eu tentar me comunicar. A dificuldade foi mais minha do que dela.

Como ela me disse que tinha pressa, perguntei, em Libras, o nome e a idade dela: Joseane, 20 anos. Pelo papel, perguntei se a gente podia se falar mais depois. Ela fez que sim e recorri à língua de sinais para saber o e-mail. Ela anotou no meu bloquinho.

Minha última tentativa de comunicação foi dizer que mandaria um e-mail naquele mesmo dia à noite, agradecer e dar tchau.

A segunda vezem busca de jovens surdos, no dia seguinte, foi mais fácil. Falei com jovens e adultos que, também pacientes, acharam interessante eu estar ali para aprender mais sobre eles e Libras.

Provavelmente algum dia essa comunicação foi mais difícil para eles do que é para mim. Continuo sem ferramentas para prolongar conversas e mais certa de que se aproximar de quem é diferente abre a cabeça.

Esse material foi originalmente publicado no extinto site Na Responsa!