Imprevistos acontecem, é fato, e como lidar com eles é uma pergunta para a qual o Google me deu cerca de 529 mil respostas em menos de meio segundo. Tem imprevisto para todos os gostos: de vida, financeiro, no trabalho, nos negócios e no casamento. A dica de ouro, que de diferentes formas aparece em todos os cenários, é se antecipar ao que pode acontecer — dependendo do caso, tem até lista de possíveis ocorrências.
Na teoria, é simples: prever o imprevisto te ajuda a se preparar para quando ele acontecer, assim você terá um plano B e saberá lidar de forma mais calma com a situação. Fácil, né? Com essa dose de ironia, digo que não. Um ponto crucial que essas milhares de respostas prontas parecem desconsiderar é a individualidade humana. Deixam de lado também o óbvio, que o imprevisto é essa coisa inesperada, sem previsão.
Desculpa, Google, mas você não tem todas as respostas. Somente quem vive o imprevisto é capaz de descobrir — e desenvolver — a melhor forma de lidar com ele e com as reações advindas dele, seja frustração, indignação ou mesmo a calma.
Dois imprevistos, duas reações
Uma experiência pessoal recente me levou a refletir sobre o imprevisto. Eu estava de folga do trabalho e tinha planejado fazer várias coisas no dia, com definição de tempo para cada uma. A primeira, que era ir ao laboratório para tirar sangue, já demorou muito tempo e comprometeu as demais. E olha que meu planejamento tem margem de erro, sempre para mais, justamente porque considero os possíveis contratempos.
Demorei o triplo de horas no processo, precisei ir a outro laboratório, uma atendente passou quase duas horas tentando resolver burocracia e eu estava ali, com fome, humor alterado, dor de estômago e de cabeça. A única opção para mim era aceitar a situação e esperar que fosse resolvida. Também não adiantaria me estressar com as outras pessoas, que estavam fazendo o trabalho delas nas condições possíveis.
Essa reação, porém, foi bem diferente do imprevisto de 2019, quando um trânsito nunca antes visto me fez chegar atrasada ao aeroporto. Perdi o voo que me levaria à casa dos meus pais e tive de comprar uma nova passagem (bem cara na época, além de taxas) para dali a quatro dias. Fiquei nervosa, chorei de soluçar. Fiquei decepcionada e, em algum ponto, me culpei. “Devia ter saído mais cedo de casa”, pensei.
Nas duas ocasiões, eu levei em consideração o que era mais previsível de acontecer e me programei com base nisso, então fui cedo ao laboratório e calculei para chegar ao aeroporto com duas horas de antecedência. Nada disso foi suficiente. E o imprevisto fez o que ele faz de melhor: aconteceu inesperadamente.
Como você lida com o imprevisto e a frustração que vem dele?
Fiz a pergunta acima nos meus stories do Instagram há algum tempo (se ainda não me segue por lá, aproveita clicando aqui) e as respostas foram por dois caminhos. Uns disseram que aprenderam a “aceitar melhor”, a ver que o imprevisto é “natural” e, às vezes, pode ser usado a nosso favor. A maioria respondeu que fica mal, “irritada e triste”, alguns “surtam” e “xingam muito”, outros ficam “extremamente mal humorados” e passam o dia inteiro assim.
E aí você pode imaginar que melhor lida com o imprevisto quem se acalma e segue em frente, né? Eu diria que sim, mas não só. Quem manifesta emoções e sentimentos que consideramos negativos está agindo também de forma natural e coerente. Afinal, quem gosta de ver os planos frustrados? É praticamente inevitável sentir, um lampejo que seja, de tristeza, decepção ou raiva.
Quando essas emoções vêm, é importante permitir-se senti-las. Se acolher também é uma forma de lidar com a frustração do imprevisto. Mas nas minhas reflexões sobre tudo isso, identifiquei uma diferença entre reagir ao imprevisto e lidar com o imprevisto. As reações são: respirar, se acalmar, compreender, aceitar ou ficar triste, com raiva, explodir em nervosismo. Repito: todas são válidas e é preciso senti-las.
Porém, o que fazer com essas emoções é o pulo do gato! Você lida bem com essas emoções consideradas negativas? Consegue pensar racionalmente sobre elas depois? Sabe quais outros gatilhos as despertam além do imprevisto? E quando você de acalma, é de forma genuína ou porque é o “certo” a fazer?
É preciso ser sustentável emocionalmente
Pensa comigo: se a principal dica é antever o imprevisto, mas ele é essa coisa inesperada, então teríamos de planejar sempre cada pequeno passo. Vai que, durante o café da manhã, você deixe cair café na sua roupa, precise trocá-la e isso te atrase para a primeira reunião de trabalho do dia? E se, ao ir ao mercado, você se deparasse com um acidente de trânsito no meio do caminho ou com filas enormes no caixa que vão tomar o seu tempo de cozinhar? Você já está com fome e estava contando com o caixa rápido para uma pequena compra.
Deve ser insustentável viver se antecipando a acontecimentos que podem ou não acontecer. Imagina estar sempre em estado de alerta e alto estresse, cultivando uma ansiedade um tanto injustificável e elevando o nível de cortisol no organismo – hormônio necessário, mas que em excesso pode trazer prejuízos.
Frustração e tolerância
Ao compreender que não podemos controlar tudo, é mais tangível entender que viver frustrações é natural. Mas, o quanto você é tolerante a elas? Li um artigo da área de educação que fala sobre haver uma “relação do imprevisto como concretização da incerteza a que estamos permanentemente submetidos na vida, e o planejamento”, neste caso, as atividades pedagógicas, “como tentativa de domar a incerteza” (grifo meu).
Em outro ponto, fala-se que a relação entre o imprevisto e o planejamento pode se dar na reflexão de quem educa sobre a própria prática. Bingo! Diante do imprevisto e da possível frustração que vem dele, refletir sobre si, sobre como se (re)age, e desenvolver tolerância saudável é o caminho. Autoconhecimento é o caminho.
Para começar essa trilha, questionar-se sobre o porquê de determinada reação, emoção ou sentimento é o primeiro passo. Porque, afinal de contas, o imprevisto está aí para nos mostrar que não temos controle sobre tudo e se não temos controle sobre tudo, podemos ser mais maleáveis com as situações e, principalmente, conosco.
Ainda que se faça um planejamento, antevendo o inesperado, é importante que ele seja flexível, o que agora, ao meu ver, ainda pode trazer benefícios. Quantas conexões, descobertas e novas formas de resolver problemas você deixaria de conhecer se tudo fosse como o planejado?